Um dos temas abordados no relatório anual de atividades da Ouvidoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) é como o setor recebe e processa mensagens dos cidadãos. Entre os canais disponíveis, se destaca o envio de cartas manuscritas, utilizadas predominantemente por reeducandos e apenados do Sistema Prisional.
O arquivamento das cartas dos reeducandos, realizado com o apoio da Diretoria Executiva de Gestão Documental (Dirged) do TJMG, passa primeiramente pelas mãos da estagiária do setor da Ouvidoria, Júlia Moreira Arcebispo, que as transforma em arquivos PDF e insere no Sistema Eletrônico de Informação (SEI).
A “leitura” dessas correspondências é realizada pela servidora Irani Rodrigues de Sousa, que atua na Ouvidoria, nessa função, desde abril deste ano. Pessoa com deficiência visual, ela conta com o suporte da Inteligência Artificial (IA) para desempenhar a atividade. Em média, o setor recebe cerca de 100 cartas por mês. “Embora minha forma de ‘ler’ seja diferente, estamos realizando um trabalho muito bacana no setor, com o auxílio da Inteligência Artificial, que hoje nos apoia nesse processo”, afirma Irani Rodrigues. Ela lembra que, em tentativas anteriores, a ausência do apoio da tecnologia inviabilizava a tarefa.
Segundo os dados do relatório da Ouvidoria, entre agosto de 2024 e julho de 2025, foram tratadas 1.118 cartas de reeducandos. Os pedidos mais frequentes incluem: habeas corpus, retificação ou análise da pena (revisão criminal), perdão, remissão e transferências para as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs).

A servidora Irani Rodrigues de Sousa, pessoa com deficiência visual, conta com apoio da IA para “ler” as correspondências enviadas por reeducandos (Crédito: Soraia Costa/TJMG)
Irani Rodrigues ressalta ainda a importância de humanizar o atendimento: “As cartas chegam acompanhadas de formulário e capa de processo, com dados como nome, Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) e endereço do presídio. Tento sempre destacar o nome do apenado, pois ele não é apenas um número do sistema prisional e sim um ser humano.”
Todas as cartas recebidas pela Ouvidoria são respondidas. Após a leitura e análise, um ofício é encaminhado ao juiz da Vara de Execuções Criminais responsável. Caso não haja retorno em até 30 dias, o setor envia uma resposta padrão ao reeducando e continua acompanhando o processo.
“Me dá uma satisfação pessoal quando vejo que o pedido foi atendido. E um conselho aos que conquistam a liberdade é não reincidir. Não vale a pena pagar o preço de um crime. Quando a liberdade chega, é hora de trilhar um caminho diferente”, finalizou a servidora.
Cartas de reeducandos
Entre as correspondências enviadas à Ouvidoria, algumas foram disponibilizadas para esta matéria. Nelas, fica evidente que os reeducandos compartilham um mesmo sonho: o da liberdade. Como esse desejo ainda não pode ser realizado, o anseio mais imediato é estar próximo da família.
Um dos reeducandos, que atualmente está custodiado no Presídio de Ipaba, em Minas Gerais, e é natural de Itabira, expressa o desejo de ser transferido para Governador Valadares ou para alguma unidade próxima da Capital, a fim de facilitar o contato com familiares.
Também custodiado em Ipaba, outro apenado, natural de Belo Horizonte, relatou que seu nome consta entre os pré-aprovados pelo Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen) para transferência a um Centro de Reintegração Social (CRS) – unidade administrada pela Apac. Ele solicita a remoção para uma Apac próxima à sua cidade de origem, indicando como opções Santa Luzia, Betim ou Nova Lima.
Já em outra carta, um reeducando pede a retificação de seu atestado de pena. Caso a alteração seja aceita e ele passe do regime fechado para o semiaberto, manifesta o desejo de se matricular em uma escola para dar continuidade aos estudos.
Esses relatos evidenciam a relevância do papel desempenhado pela Ouvidoria do TJMG, que atua como canal de escuta e acolhimento, registrando e encaminhando as manifestações recebidas. Mais do que simples pedidos, as cartas traduzem expectativas, fragilidades e a busca por dignidade daqueles que, mesmo privados de liberdade, almejam reconstruir suas trajetórias e manter laços com a sociedade.